Teria Deus
aceitado o emprego da mentira, como no caso de Raabe (Js 2:3-7) e até orientado
o profeta Samuel a mentir ( I Sm 16:1-4)?
Para início de discussão, deve-se dizer que a Bíblia não apoia
o emprego da mentira em nenhuma situação; ao contrário, credita-a ao diabo: “Vós
sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi
homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há
verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso e pai da mentira” (Jo 8:44).
Ora, visto que Deus não apoia
nenhuma espécie de mentira, como entender a mentira de Raabe e a instrução
divina a Samuel para que ele omitisse o objetivo maior de sua visita a
Belém?
Analisemos a mentira de Raabe, relatada em Josué 2:3-7: ”Mandou,
pois, o rei de Jericó dizer a Raabe: Faze sair os homens que vieram a ti e
entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra. A mulher, porém, havia
tomado e escondido os dois homens; e disse: É verdade que os dois homens vieram
a mim , porém eu não sabia donde eram. Havendo-se de fechar a porta, sendo já
escuro, eles saíram; não sei para onde foram; ide após eles depressa, porque os
alcançareis. Ela, porém, os fizera subir ao eirado e os escondera entre as canas
do linho que havia disposto em ordem no eirado. Foram-se aqueles homens após os
espias pelo caminho que dá aos vaus do Jordão; e, havendo saído os que iam após
eles, fechou-se a porta .”
É claro que Raabe sabia quem eram aqueles dois
espias, conforme suas próprias palavras em 2:8-13. Então, como fica sua evidente
mentira, mesmo que fosse para salvar sua própria vida e a dos dois israelitas? O
fato de sua mentira ser mencionada na Bíblia é uma indicação de que Deus a teria
aprovado?
Primeiramente, devemos nos lembrar de quem era Raabe. Era uma
cananeia, prostituta e adoradora de ídolos. Não devemos, pois, cobrar dela mais
do que poderia dar. Ou seja, não devemos julgá-la à luz do conhecimento que
Israel tinha de Deus e do que era certo ou errado. Ela agiu como uma típica pagã
teria agido. “Para um cristão, uma mentira nunca pode ser justificada, porém
para uma pessoa como Raabe a luz vem gradualmente. ‘Deus não leva em conta os
tempos da ignorância ( At 17:30). Deus aceita o que é sincera e honestamente
praticado, mesmo quando misturado com fragilidade e ignorância. Deus nos aceita
como somos, porém devemos “crescer na graça” (2Pe 3:18)” (SDABC, v. 2, p.
183).
Assim, vê-se que a Bíblia apenas menciona a mentira de Raabe, sem,
contudo, endossá-la ou apoiá-l a. O certo é que Raabe deve ter feito mudanças em
sua maneira de agir ao se casar com Naasom, um príncipe da tribo de Judá ( Mt
1:5), tornando-se, assim, ancestral de Cristo. Uma vez que ela figura na galeria
dos heróis da fé ( Hb 11:31), com certeza, deixou de lado o uso da
mentira.
O caso de Samuel é mais difícil de entender do que o de Raabe,
que era uma pagã. Samuel era israelita e também profeta de Deus. Como, pois,
entender a instrução divina a ele, relatada em 1 Samuel 16:1-4?: “Disse o Senhor
a Samuel: Até quando terás pena de Saul, havendo-o Eu rejeitado, para que não
reine sobre Israel? Enche um chifre de azeite e vem; enviar-te-ei a Jessé, o
belemita; porque, dentre os seus filhos, Me provi de um rei. Disse Samuel: Como
irei eu? Pois Saul o saberá e me matará. Então, disse o Senhor: Toma contigo um
novilho e dize: Vim para sacrificar ao Senhor. Convidarás Jessé para o
sacrifício; Eu te mostrarei o que hás de fazer, e ungir-Me-ás a quem eu te
designar. Fez, pois, Samuel o que dissera o Senhor e veio a Belém. Saíram lhe ao
encontro os anciãos da cidade, tremendo, e perguntaram: É de paz a tua
vinda?”
Esse é um caso de “informação incompleta”, ou seja, Samuel não
devia dizer naquele momento tudo sobre sua visita a Belém, visto que o rei Saul
poderia matá-lo e também aquele que seria ungido (no caso, Davi) e quem sabe até
toda a família de seu pai, Jessé.
Ao dizer para os anciãos de Belém: “Vim
para sacrificar ao Senhor”, Samuel não estava mentindo, pois havia ido até Belém
também para isso. Só que, naquele momento, não devia revelar o objetivo maior de
sua visita, que era ungir um novo rei. “Não era do interesse público que a unção
de Davi fosse conhecida naquele momento” (Ibid., p. 529).
Em qualquer
situação, e em especial as de risco, deve o cristão seguir o conselho de Cristo:
“Eis que Eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto,
prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10:16). Imagine um
cristão com um carregamento de Bíblias tentando entrar num país em que o
cristianismo é proibido. Ao ser perguntado por um guarda da alfândega sobre o
que está levando, seria prudente dar todos os detalhes do conteúdo das caixas,
dizendo trata r- se de Bíblias, incluindo o tipo de versão, se em brochura ou
encadernadas, a cor, tamanho, etc, ou bastaria dizer que está levando livros?
Agora, se lhe fosse perguntado se o que estava levando eram Bíblias, então
deveria dizer que sim, que eram Bíblias. Ou seja, não deveria dizer mais do que
lhe fosse perguntado.
Vivemos em dias de muita falta de honestidade e
veracidade. Deus espera que cada seguidor Seu diga sempre a verdade, mas com a
prudência orientada pelo Espírito Santo.
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